Quando criança, eu tinha medos básicos. Ser esquecida no shopping, minha avó morrer, palhaços e papai-noel de gente vestida nos estabelecimentos, possessão demoníaca e Chucky, o boneco assassino.
As vinhetas dos comerciais dos canais abertos mostravam cenas horríveis de Chucky e o Exorcista. Os pedaços selecionados com enfoque em rostos dominados pelo mal, fazendo o mal e em controle por uma entidade não visível, me deixavam dias sem dormir. Não só pela imagem “feia” proposital para dar medo, mas hoje eu entendo que pra mim, era a falta de controle. Não estar no controle sobre eu mesma, e sim por um demônio, me fazia rezar repetidas vezes todos os dias. E se minha boca falar uma coisa que eu não acredito e não sou eu? E se eu machucar alguém? Pra onde “eu” vou quando não sou eu quem me controlo? Esse era o ápice do meu terror. Não estar no meu próprio controle. Alô ansiosos!
Ainda criança, num certo dia fui na casa de uma amiguinha da escola e junto com outros coleguinhas dela, passamos numa locadora. O filme escolhido por eles foi aquele todo mundo em pânico que satiriza O Exorcista. Eu sabia que aquele não era o filme oficial, mas as cenas mexeram comigo da mesma maneira. Eu escondi de todo mundo o quanto estava aterrorizada, mas cheguei em casa tremendo e passei uma semana sem dormir direito. Assustando com qualquer barulho. Sentindo que estava sendo observada. Acreditando que a qualquer momento, se eu não me “protegesse” o suficiente, o mal venceria e eu passaria a existir num limbo. Tanto a sátira quanto o filme original também mostravam algo que se tornou uma fobia na mesma época: vômito. As cenas, em outros filmes também, me causavam um pavor sem igual.
Na mesma época eu passei por duas situações traumáticas, próximas. Estava na aula de violão, que participava com minha melhor amiga da época. Tocávamos e enquanto cantava, ela de repente vomitou na sala inteira. Nas paredes, no chão, em tudo. Eu nunca tinha visto algo do tipo e tão próximo de mim. Ela correu para o banheiro da professora e continuou vomitando. Na hora eu fiz uma piadinha, pois meu jeitinho. “Nossa amiga, não sabia que eu cantava tão mal kkk”. A professora ligou para minha avó me buscar e quando cheguei em casa, tomei banho (nem relei em gorfo nenhum) e sentei na cama. Eu fiquei ali umas duas horas paralisada. O cheiro não saía do meu nariz. A visão de tudo aquilo também. E eu de novo, tremia. Aparentemente era uma virose, que logo depois quem ficou morando no banheiro gorfando fui eu. O que foi o suficiente para anos e anos depois, se alguém passava mal perto de mim, minha pressão caía e uma vez cheguei até a desmaiar. (eu não vomitava junto). Mas isso foi trabalhado em terapia. Eu faço de tudo pra não passar por isso. Não tenho mais a proximidade do desmaio e nem o pânico. Ainda fecho os olhos se aparece em alguma cena de algum filme, mas hoje consigo dormir de noite.
Enfim, voltando ao Exorcista. Com todas aquelas coisas que eu odiava em um filme só, me fiz uma promessa de que gostaria de MORRER sem NUNCA assistir. Sempre evitei filmes de terror e os de possessão. Odiava quando alguma sinopse me enganava e de repente aquilo aparecia em algum filme sem eu me preparar psicologicamente para tal. Outra coisa que me incomodava muito eram (e ainda são) os jumpscares desnecessários. Aos poucos fui aprendendo que terror é muito mais que isso. Que muitos vão além da superfície “medo pelo medo” e que na verdade são obras riquíssimas! Fui cada vez me interessando mais e mais. Possessões ainda me incomodam mas não me tiram mais o sono. E chegou um momento que já não me parecia fazer tanto sentido fugir d’O Exorcista.
Neste mês de Halloween me programei para tentar ver um filme de terror por dia. Como sou uma pessoa que gosta de mudanças na minha vida, resolvi enfrentar primeiro Chucky. Um dos maiores motivos de eu nunca gostar daquelas bonecas “bebezão” realistas. Assisti e gostei muito. Me diverti demais com a premissa e tenho visto todos para depois começar a série. É só um boneco feio com a alma de um serial killer encarnada. Eu por conta nunca teria um bonecão daquele, então acho que estou suave? Mas o ponto importante é entender. Entender os elementos e contextos que criaram o medo na cabeça da natyzinha, e que por mais que ela ainda exista dentro de mim, ela ficou no passado. Já não faz mais sentido manter escolhas de uma versão minha que não existe mais. E é por isso que eu decidi enfrentar Regan e Pazuzu.
A versão “Natália Hoje” é uma que adora filmes de terror. Como uma fã de terror consegue negligenciar por tanto tempo o maior dos clássicos, indicado a oscar etc etc que é O Exorcista. Pensei que estava na hora de encarar esse medo no mês do Halloween, já que tive êxito com Chucky. Neste mês várias pessoas próximas (e não) a mim, fizeram postagens, relatos e etc sobre o filme. Cada post me parecia um sinal de “e aí, vamo enfrentar?”. Foi então que compartilhando sobre esse desejo, descobri que minha amiga pessoal que amo, a Pah, também tinha a mesma relação com o filme que eu. E o mesmo desejo de enfrentamento. Fizemos um combinado de superar esse trauma juntas. Saímos pra comer uns negocinho gostoso e depois assistiríamos ao ícone ainda durante o dia. Pra dar tempo de fazer outras coisas depois e esquecer de tudo caso a experiência fosse, ainda, traumatizante.
Mesmo assistindo com amigues fazendo comentários e piadas para amenizar, a “versão que você nunca viu”, continua desconfortável. Fiquei imaginando nos momentos mais pesados, como deve ter sido o impacto lá na época que lançou. Quem viu no cinema. Talvez eu não tivesse palavras pra descrever se tivesse passado por isso. Mas, ainda assim em 2023, eu senti o impacto. Principalmente o impacto do quanto esse filme é bom. Não só a história mas uma qualidade técnica absurda por ser lançado em 73. Aliás, acredito que o roteiro é tão impecável inclusive por ter sido construído pelo próprio autor do livro de origem (que ainda não sei se tenho coragem de ler kkkkk).
Coragem mesmo é a Linda Blair tão novinha participar de uma obra dessa. Eu que sou time “melhor não mexer com quem está quieto”, já acho uma afronta (pra eu mesma) ver um filme desse e gostar, imagina fingir esse tipo de coisa. Setaloko. E o único boardgame que eu não jogo é o Ouija, vai que né.
Enfim, quando o filme acabou, fiquei com uma sensação de ver cumprido. Eu me superei em algo que pra mim parecia insuperável. Uma marca, um corte tão profundo dentro de mim, que nunca cicatrizaria 100%. Foi ótimo perceber que eu consigo. Que sobrevivi a algo que nunca imaginei que daria conta. Claro que não é todo medo na vida que vale a pena enfrentar, e nem todos trazem “crescimento” como pregam os good vibes. Mas veio num momento necessário de eu provar algo pra mim. Eu mesma preciso de momentos de provar que “fia, calma que dá”. Que o medo nem sempre é fato. Que verdades absolutas talvez sejam mitos que contamos pra nós mesmos por diferentes motivos.
Fiz amizades com palhaços e papais-noel dos shoppings. Não desmaio mais com vômito alheio (evito como posso presenciar essas coisas kkkk claro). Assisti os filmes que mais me perturbaram na infância. Enfrentei tantos pequenos medos e ansiedades que nem valem a pena listar. Eu não sou a pessoa mais forte, resiliente, intocável que eu gostaria de ser. Minha avó está prestes a morrer. E esse é o único maior medo da infância que me falta enfrentar. Talvez olhar para Regan e Chucky possuídos seja apenas uma prova pra me fortalecer pra algo que eu não posso escolher “se e quando” vou encarar ou não. Pra pessoa ansiosa, não existe horror maior do que um futuro onde não se consegue enxergar o que será de nós.
Tom Hanks é Finch em mais um cenário apocalíptico, ensinando um robô coisas humanas para poder cuidar de seu cachorro quando morrer. Achei meio paradão, o robô é carismático. Tem aquele final de novela. Vale pra passar o tempo mas não espere muito.
Dois amigos tentam resgatar um terceiro de um culto satanista. É cheio de tensão, reviravoltas e efeitos especiais de 1968. The Devil Rides Out, vale o view sem preconceito dos efeitos.
Kwaidan é uma antologia de quatro lendas folclóricas do Japão. Cada um é um arco independente e com aspectos de “terror” diversos. É longo mas você pode assistir como uma série. Dá pra enganar que é recente, muito bom.
Na pira ainda de robôs companions Morgan dá um tilt e ataca violentamente seus tutores. Então uma consultora da fábrica vai lá avaliar se ela é um produto que deve ser tirado de linha e coisas acontecem. Achei fraco e chatinho, nem o elenco bom salvou.
Um cara esquisitinho que fotografa e trabalha com cinema, quer virar diretor e fazer um filme sobre o medo… matando mulheres! E acaba se envolvendo com sua vizinha e entra em conflito pois não quer que ela faça parte do seu documentário. É bem tenso e instigante, Peeping Tom é um ícone e tenho certeza que o Hitchcock sentiu uma invejinha de que essa obra não é dele rs
Dario Argento que me perdoe mas Profondo Rosso é longo demais, com música tosca demais pra uma história que poderia ter sido melhor. Um músico é testemunha de um assassinato e se junta com uma repórter pra encontrar o serial killer. Tem vários bons momentos, mas não sei se me pegou o suficiente rs
O clássico Wrong Turn é meio wrong por alguns motivos. Jovens são pegos por maníacos no meio do mato com carro quebrado. O que me perturba é o fato dos maníacos serem pessoas com deformidades, apenas.
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the devil rides out é sobre ISSO?!?!! gonna watch