Entro no elevador e observo a luz piscando. Faz dois anos que moro aqui e essa luz não para de piscar. Aperto o oito e uma senhora abre a porta às pressas, aperto o doze pra ela. Sorri pra mim e diz:
— Boa tarde, tudo bem?
“Tirando o frio e o vento e o pó e tudo que o inverno ataca minha rinite e sinusite me fazendo espirrar pelo tempo que fico acordada. Fora a cirurgia que quero fazer que ainda não marquei porque depois de todos os exames prontos a médica que topou me encaminhar já não atende mais na clínica e agora preciso encontrar outra e provavelmente refazer todos exames que demorou em torno de dois meses pra concluir. O que me lembra que meu corpo não para de mudar e olhar fotos do passado é torturante. Meu deus olha como engordei meu peito caiu a barriga dobrou o queixo tá duplo a pele ressecando mas quem disse que isso é problema? Todo mundo que acha que corpo fora do padrão não merece respeito. Falando nisso, fora o desrespeito das pessoas em geral que não honram com horário e acham que eu tenho disponibilidade 24 horas por dia pra elas, pra atendê-las fora do nosso horário já previamente combinado e acertado e com contrato assinado mas que elas não leem e quando eu relembro as regras acham ruim e me pedem por exceção mas se fosse com um médico, um policial, um advogado, ou qualquer outro profissional, dariam o devido respeito. Fora a instabilidade financeira e a incerteza de ser profissional autônoma que não me garante que todo mês a mesma quantia entre na conta e que talvez eu nunca aposente e que eu sei que não vou ter condições de trabalhar o resto da minha vida e como vou me sustentar na velhice. Não sei as consequências pra minha saúde de trabalhar de frente pro computador com fone de ouvido às vezes dez horas por dia sentada toda torta mudando o peso de cruzar uma perna depois a outra e ainda assim estar com trinta e poucos imagina com muitos. Mas não pode reclamar tem que ser grata dar graças à Deus que se está trabalhando porque tem muita gente pior e desempregada e que daria tudo pra poder fazer o que eu faço. Fora que enquanto não trabalho eu estudo e estudo e estudo e desde que me conheço por gente nunca parei de estudar e alguém falou que era estudando que eu seria alguém na vida e teria estabilidade mas eu estudo estudo e estudo e parece que nunca é o suficiente ou às vezes é coisa demais porque não sou recompensada e reconhecida pelo meu esforço e pelo tanto de conhecimento que eu acumulo e uso porque meritocracia é a puta que me pariu. E por falar nela que sempre foi minha inimiga número um, ressurge das cinzas sete anos depois me chamando de amiga e prometendo parceria fazendo me sentir culpada por tudo que senti e por ainda desconfiar e ter o pé atrás com qualquer promessa de arrependimento e novo começo. Fora esses e todos os outros traumas proporcionados que me fecharam e toda vez que tento parece que nunca vou conseguir me abrir o suficiente. Se eu não me abro talvez eu não consiga aproveitar a vida, afinal o que é aproveitar a vida? Só quem consegue é quem tem tempo e dinheiro e acho que nunca vou ter os dois. O que me lembra dos meus planos que tenho medo que deem errado e que mesmo se derem certo me trarão outros tipos de perda e eu tenho que fazer aquele tipo de escolha de homem aranha se eu salvo um busão cheio de pessoas inocentes ou a mary jane mas na vida real não dá pra salvar os dois porque super herói não existe. O capitalismo, o patriarcado, os preconceitos, as discrepâncias, a minha a sua a nossa insignificância. A vontade de gritar e gritar que me leva a rouquidão mas só isso que leva pois gritar não adianta, só me faz parecer louca ninguém gosta de mulher louca alterada, não é pra tanto fica calma. Fica calma, quietinha, não demonstra nada. Não pode sentir coisas, não pode falar coisas, não pode se revoltar. Não pode querer opinar muito mas também se não se posicionar é conivente com o que é errado. Precisa dar a cara tapa, ir enfrentar o mundo mas ninguém avisa que a batalha se perde todo dia. Se luta todo dia e se perde e no final a gente morre e morre como? Não sei, não dá pra saber ninguém sabe, será que eu gostaria de saber? Será que isso mudaria alguma coisa na minha vida hoje? Eu me arrependeria de todas as minhas escolhas, esqueceria todas as minhas mágoas, perdoaria todas as pessoas e ainda conseguiria ser eu e ter viver defender meu valores? Valores que difícil viver e ser mulher nessa merda enquanto é mais fácil ser homem e cada dia que passa eu sinto mais e mais ranço de homem. E por falar em escolhas será que nunca vou sentir que não sou uma farsa com minha bissexualidade afinal nunca namorei mulher queria ter uma namoradinha , mas fiz escolhas todo dia faço escolhas aliás será que sou mesmo monogâmica? Será que conseguiria não ser? Ser o que? Eu queria às vezes é ser grossa ligar o fodase mas não pode. Queria fazer um milhão de coisas que não me dão dinheiro mas não posso. Tenha paciência seja mais ainda compreensiva, cuidado vai acabar sozinha. É só isso que eu conheço talvez acabe sozinha mesmo e talvez seja pra melhor mas ser humano é sociável e não dá pra se isolar numa cabana no meio do mato até porque vai que tem um espirito maligno que vai me assombrar e eu sou agnóstica mas não quero ser provada que as coisas existem ou não. Problema todo mundo tem não pode reclamar sempre tem gente pior sempre tem gente melhor. Mas é só não pensar. Não pensa vai fazer alguma coisa, que coisa? Vai ler um livro ver um filme uma série uma caminhada, mas já não faço tudo isso? Até no que eu faço ou deixo de fazer me decepciono. É sempre decepção todo caminho leva pra se decepcionar. Comigo, com os outros, com o mundo, com tudo. Mas o amanhã vai ser melhor, melhor pra quem? É bom ter esperança mas tenha o pé na realidade senão de novo decepção. Existir é um fardo, que fardo e glória ser eu. Ultimamente só fardo, algum dia vai deixar de ser? Tô sempre cansada, cansada, exausta, podre. Cansada de esperar ficar melhor, cansada das coisas não acontecerem, cansada de tudo que acontece. Cansada de mim, de você, de nós, da internet, de trabalhar, de existir mas sigo existindo. Mas fora tudo isso…”
— Tudo bem! E com você? — Sorrio de volta, desejo boa tarde e saio pela porta do elevador.
mini conto inspirado pela música clássica, maravilhosa e sempre atual da melhor banda punk do brasil: garotos podres
Sempre tive muito medo de ver The Autopsy of Jane Doe e resolvi encarar. Dois legistas recebem um corpo misterioso pra realizar uma necropsia e aí tudo começa ficar estranho e bizarro. Filme bom demais, deveria ter visto antes!
Na vibe rever clássicos peguei A Nightmare on Elm Street Part 2: Freddy’s Revenge e condiz muito com o título, o filme é tão ruim que parece um pesadelo. Nem a tão aclamada referência queer salvou.
Holy Spider só me fez ficar com mais ódio de homem da humanidade. Um serial killer de prostitutas é aclamado por muitos mas uma jornalista vai até a cidade iraniana desmascarar o que está acontecendo. Um soco no estômago pra quem é mulher.
Pra aliviar fui de Disenchanted e achei legal o rumo que a história tomou no segundo. Bem bobinho e cérebro lisinho pra quem não quer usar neurônio.
Sem saco para filmes de herói mas conferi Guardians of the Galaxy Vol. 3 e até que é bom. Espero que parem por aqui e parem de dar dinheiro pro Chris Pratt (oq sei que não vai rolar).
A primeira temporada de The Horror of Dolores Roach (inspirada em Sweeney Todd) traz uma perspectiva nova, realista e talvez um pouco mal aproveitada de um contexto atual. É curta e realmente bem introdutória, espero que venha mais por aí!
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autopsy of jane doe é MÓ BAUM, vi um dias desses! Penso até em rever xD