O tempo passa e com ele nosso corpo forma e transforma. Corpo que é algo sempre evidência. Motivo de crítica, de exaltação, de julgamento. Nosso corpo nunca tem paz. É nosso único receptáculo, representante e meio de contato com o mundo e com a vida fora de nós. Esquecemos de tratá-lo com carinho por conta da nossa cultura tóxica, machista e gordofóbica.
Meu corpo sempre foi assunto na minha ex-casa e demorou anos pra eu desapegar de muita coisa. Os comentários eram feitos a cada oportunidade de uma crítica consequente de um “você precisa emagrecer”. A comparação mais irreal é que eu fui uma criança magra. Era um absurdo eu, uma mulher adulta, não conseguir manter a magreza de uma criança de oito anos.
Após a pandemia, depois de dois anos sem ver minha família, a primeira coisa que saiu da boca da minha avó quando ela me viu foi “nossa você engordou né, também com a pandemia…”. Ela não perguntou se eu estava bem, se eu tinha feito uma boa viagem, se eu queria descansar. Ela escolheu deliberadamente usar suas primeiras palavras depois de anos sem me ver, para comentar sobre meu corpo. Às vezes quando nos falamos no telefone ela pergunta se eu engordei. Última vez que fui pra lá ano passado ela me disse “ah você não tá TÃO gorda assim, sua mãe falou que você estava tão gorda quanto ela”. É uma maratona. Quem tiver com peso maior ganha mais comentários insalubres da matriarca.
A vida adulta e estar longe desse lugar de adoecimento me fizeram prestar mais atenção na transformação do meu corpo. Além de uma dúvida sobre onde eu me encaixava, comecei a questionar mais a maneira de me vestir. Eu percebi que eu não era magra padrão, mas não era plus size. Aos olhos de outros eu sou os dois, magra e gorda, mas nunca o suficiente nem de um e nem de outro. Aos 15 me perguntaram se eu estava grávida e respondi que não, eu só tinha barriga mesmo.
Ir nas lojas de departamento de shopping é uma aventura. Ou é tudo pequeno e apertado demais ou sobra muito. Talvez um GG sirva, talvez não. Um 44 causa desconforto e um 46 precisa usar um alfinete. E foi aí, nessa dificuldade que eu descobri a existência dos corpos MIDSIZE.
Como o próprio termo diz, o midsize vem para “classificar” um tamanho mediano de roupas. Esse tamanho vai do 44 ao 50 dependendo do biotipo de cada pessoa. Existe uma dificuldade grande em encontrar coisas que sirvam, principalmente acessíveis. E também peças bonitas e estilosas. Claro que é proposital que o mais fácil de encontrar são tamanhos menores pras roupas que estão na moda. Se você passou do G, você nem é gente segundo a indústria. Eu sei que isso tem melhorado e mudado, mas tenho certeza que está longe de ser algo aceito, naturalizado e desconstruído. A moda precisa caminhar muito ainda pra ser justa, acessível e diversificada.
Descobrir que me encaixava nesse meio termo, me possibilitou seguir pessoas com o corpo parecido com o meu. Já tinha começado me dar ranço as blogueiras que eu seguia com aquele corpo e vida perfeita que eu nunca alcançaria. E além disso, descobrir que é possível “ter estilo” e “se vestir bem” com o corpo que eu tenho. Eu ainda estou num limbo de descobrir essa identidade visual através de looks, mas cada vez que acerto ou me inspiro nessas meninas que está dando a cara pra bater na internet, me dá um quentinho de possibilidade.
Vendo essas blogueiras mais realistas, mais próximas de mim, ainda mostra o chorume coletivo. Se você pegar uma foto de uma mulher midsize de biquini e abrir os comentários, os xingamentos são de ambos os lados. Ou falam que ela tem que calar a boca pois é magra demais e está ofendendo quem é gorda “de verdade” ou é gorda demais e está se achando a magérrima e também tem que ficar quietinha e emagrecer. Ou seja, não dá pra ser feliz com o próprio corpo segundo a internet. As pessoas ainda associam que corpos fora do padrão não são saudáveis, é desleixo, sinal de depressão, falta de vontade e de esforço. Quem não é magro se odeia, se odeia ao ponto de deixar o próprio corpo não ser magro. Isso é doentio demais e tão enraizado que fica difícil não se olhar muitas vezes com culpa, com um “será que eu devo emagrecer”, “será que eu poderia ser diferente” e o famoso “se eu fosse magra minha vida seria melhor e mais fácil”.
E aí também tem outro ponto delicado que realmente é: onde encontrar o que serve e talvez eu mexa em um vespeiro mas que pode ser assunto pra outro dia. Buscando lojas de fabricação própria, inclusivas e etc me deparo com o fator valores. Roupas lindas que servem no meu corpo, mas que são caríssimas. Se cada vez que eu olho pro meu guarda-roupa e penso “nada mais serve ou combina comigo que vontade de fazer um extreme makeover nas minhas roupas” e eu REALMENTE fosse atrás de trocar tudo o que eu tenho… eu teria que ser no mínimo milionária. Com a chegada do frio, percebi que a maioria dos meus casacos esse ano, já não fechavam mais. Como sou friorenta pensei que podia doar os que tenho e comprar pelo menos um moletom e uma jaqueta pra dar conta. A minha jaqueta é tamanho M e agora eu precisava de uma G1 ou XLL ou qualquer coisa que fique por aí. Só que um moletom e uma jaqueta pro meu tamanho, em lojas locais, slowfashion etc, custam CADA, pelo menos (ou quase) trezentos reais. 300 pau em duas peças de roupa pra mim não é acessível. Fui na popplus, uma feira plus size maravilhosa com muita coisa linda e foi mais um lugar que não me encaixei. Encontrei coisas lindíssimas, comprei umas peças mas a maioria bem fora do que cabe no meu bolso.
E aí eu descobri a Shein. Sim eu sei de toda a polêmica e toda problemática. Mas é lá que eu consigo pagar vinte reais numa blusa que serve no meu corpo. Pagar metade do preço da Renner, num moletom. Encontrar peças diferentonas e que tem mais a ver comigo sem precisar juntar moedinha por meses ou parcelar no cartão. Minha crítica é só que nada tem bolso, INFERNO. (mas isso aqui também é assim, mulher não precisa de bolso que é pra comprar um monte de bolsa brega e feia só pra levar um documento, um cartão, um absorvente e o celular, e a indústria continuar lucrando em cima da nossa dor e falta de praticidade)
Não estou aqui pra falar como cada um deve ou não gastar seu dinheiro, ou botar preço nas próprias produções. Eu sei que é difícil. Mas também é difícil pra mim olhar pra essa parte da minha vida. Querendo ou não, roupa é uma das maneiras com a qual nos posicionamos. Diz muito sobre a gente. Traduz uma forma de existir. Mostra nossa personalidade. E como vou fazer isso se não consigo encontrar coisas que sirvam ou que combinam comigo? E que principalmente não cabem no meu bolso? Ainda é difícil pra mim escolher peças que me traduzem. Eu não consigo linkar praticidade e conforto com estilo. Sempre me sinto uma batata basic bitch que só colocou ali o que serve, não o que combina. Não o que é bonito. Não o que diz algo. E é por isso que comecei a seguir essas blogueiras.
E como disse ali em cima, sempre achei besteira seguir blogueira. Coisa superficial, tonteira. Até encontrar as mina midsize. Acho que uma das coisas que move o ser humano é essa busca por conexão e identificação. Esse também é um dos motivos que me fazem escrever. É ver novas possibilidades no mundo. Ver que o outro também sofre da sua dor (cada qual da sua maneira). Ver que há solução. Que há onde caber. Que há lugar pra mim e pra você. Nem que seja no meio.
Blogueiras midsize pra vocês seguirem:
@nannoca @heygabsf @bruna_rosa_ @midmayra @babeontheweb @byancamelo_
Ouvi falar de Eden Lake e resolvi começar por ele. Um casal vai acampar na beira de um lago e começa a ser aterrorizados por um bando de adolescentes briguentos. O filme é bom, mas eu tenho uma raiva ENORME de histórias com jovens violentos e causadores do caos no mal sentido da palavra.
Lá no começo da carreira irmãos Coen fizeram o Blood Simple. Um dono de um bar descobre que sua esposa está tendo um caso com um dos seus funcionários. E aí muita coisa começa a acontecer e dar errado bem do jeitinho absurdo, irônico e típico das histórias dos Coen. Gostei bastante.
Por um comentário do meu amigo pessoal Onirê, assisti The Artifice Girl e me surpreendi. Agentes especiais descobrem uma IA pra servir de bait pra predadores online. No começo achei que o filme estava levando pra um rumo e daí de repente foi pra outro lado. Vale o view, bem atual levantando aquelas questões éticas, morais e filosóficas que todo mundo gosta.
Com aquela pegada de terror religioso, Consecration é meio bom mas não é ao mesmo tempo rs O irmão padre da protagonista comete suicídio, mas ela desconfia que não é muito bem isso não e vai por conta própria lá no convento saber o que tá pegando. Mas aí ela descobre coisas sobre ela mesma… E é isso, podia ser melhor, mas podia ser pior.
A bomba da semana é Seven in Heaven. Numa festa, dois adolescentes se trancam num armário pra brincar de “sete minutos no paraíso” mas quando abrem a porta vão pra uma realidade um pouco mais cruel. Filme tonto, chato e podre. Quem fez não sabia pra que rumo levar a história e deu no que deu.
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"O tempo passa e" EU SOFRI CALADO, NÃO DEU PRA TIRAR ELA DO PENSAMENTO QUERIA DIZER QUE ESTAVA APAIXONADO
Descobrir o mundinho midsize também me salvou. E a nannoca é a melhor blogueirinha de todas, né? <3 Adorei o texto, Nat. Depois vou te passar uns links de brechós legais que têm tamanhos mais diversos.