Há pessoas que sempre viveram em meio a grande quantidade de plantas. Não me refiro a morar no meio do mato. Plantas. Flores.
Uma mãe ou um pai que cuidam de um jardim no quintal. Uma avó que rouba mudinha da calçada alheia. Vasos pequenos na janela da cozinha. Vasos grandes na sala ao lado do sofá.
Quando criança meu avô colecionava plantas na garagem. Muitos e muitos vasos, verde e cores preenchiam a parte da frente da nossa casa. Depois da demolição do outro lado da rua, ele aproveitou o terreno abandonado e estendeu seu jardim. Fez um cercadinho com telhas e plantou árvores e flores. Às vezes eu ia com ele até lá para ajudar a regar. Plantei uma árvore pra chamar de minha. Não sei o que aconteceu com ela.
Com a morte do meu avô, aos poucos, minha avó foi se desfazendo de todas suas plantas dentro de casa. Dá muito trabalho, ela dizia. Faz muita sujeira. Essa era uma bagunça dele, não minha. A garagem passou a ser apenas uma garagem. O jardim da rua por um tempo foi cuidado por outros vizinhos, mas depois ficou abandonado à sorte do clima.
O máximo que a casa da minha avó voltou a ver plantas foi com mini-cactos e suculentas que ela deixava no beiral da pequena janela da cozinha. Eram muito pequenos e demandavam pouquíssimos. Sendo visita, ou mesmo morando nesse teto, elas passavam imperceptíveis. De vez em quando chamavam atenção, como um pequeno detalhe que só se repara por um acaso. Mas que segue sem causar grande impacto.
Por serem pequenas, mais novas, substitutas de um sistema que não mais existe, passam a ser coadjuvantes e parte do cenário. Às vezes ela olha com atenção, ou por um mínimo sinal de morte ou perda, acaba lembrando que precisam de água. Nada na sua casa pode lembrar sujeira, desordem ou morte. Ela cuida pela estética, mas nem se lembra mais da motivação estética de adquirir suas mini-plantas que não dão trabalho.
Meus avós não passaram pra mim todos os ensinamentos e hábitos para cuidar e ter plantas. Até certa idade, ainda criança, era chamada para uma participação restrita. Participar sem ser por completo, não me fez aprender. Talvez pra esse assunto eles esperavam que fosse como muitos outros quando estamos na infância: aprender por observação. Nem tudo aprendemos assim.
Desde que comecei a morar sozinha, nunca tive a oportunidade de estar num apartamento com uma posição muito favorecida de sol. No meu quinto apartamento, meu lugar atual, foi a primeira vez que tentei mesmo com a limitação. Assim que mudei passei na frente de uma lojinha multi-coisas e na calçada, há um acervo lindo de plantas. Pedi ajuda pra atendente com as minhas condições e levei uma plantinha simpática pra casa. Mesmo não precisando tanto de sol e tanto de água, ela secou. Ficou murcha, xoxa e capenga e resolvi sacrificá-la. Tempos depois tentei uma suculenta. Ela parecia ir bem, mas depois de um certo tempo quase todas suas folhas haviam caído. Desisti dela.
Nunca ganhei uma plantinha ou uma flor sequer de pessoas que namorei, eu sei que é clichê mas quando se trata de relações eu nunca tive nada, nenhum clichêzinho sequer. Pode não ser importante, mas acho no mínimo simbólico. Só ganhava da escola ou de empresas no dia da mulher. O que vem com um vazio. Hoje tenho plantas de mentira. Plástico e outra de cerâmica. São boas imitações. São enfeites. Ficam em cima do meu rack, em frente minha televisão. São um lembrete.
Fiz um combinado comigo mesma um tempo atrás, que quando tivesse oportunidade, teria um jardim como meu avô. Mesmo que fosse dentro de um apartamento. Distribuiria um monte de verde por onde morasse. Cuidaria. Deixaria crescer. Até trocaria mudinhas com outras pessoas. Mas tal oportunidade ainda não chegou. Eu até tentei, mas eu não sei cuidar de plantas. Não me parece certo levá-las a um fadado sacrifício por incompetência minha. Eu sei que posso aprender. Mas parece tão natural pras pessoas. Não pra minha avó, não pra mim. Para os outros. Quero que um dia seja algo rotineiro, parte do meu dia-a-dia.
Hoje eu penso nesse combinado e não sei mais se ele é realista. Não sei se é possível. Afinal eu também nunca dei uma planta/flor de presente pra alguém. Como fazer isso se não consigo ser dona do meu próprio jardim? Tenho um cacto tatuado na perna com umas florzinhas nele. Eu sempre achei que fosse uma boa representação minha, ou pelo menos de como muitas pessoas me viam na época. Mas toda florzinha que começa a nascer em mim, seca e morre. E eu não vejo a hora de florescer.
Espresso da semana
No livro de maio, do clube de leitura, é muito citado o filme Festen. Nele uma família vai celebrar em grande estilo, com muita gente e gente rica, o aniversário de 60 anos do patriarca. O filho mais velho faz um discurso pra todos ouvirem de como era est**rado pelo pai constantemente. E isso é só começo da festa. Filme muito bom e revoltante. Recomendo.
Com saudade de um slasher acabei caindo em Prom Night dos anos 2000 e foi um erro (na verdade não dá pra esperar muito além do que entrega né). O assassino de uma adolescente volta para matá-la na sua noite de formatura. Único filme ruim da carreira do Idris Elba.
Sem acompanhar os queridinhos do oscar em dia, vi finalmente The Fabelmans. Onde um jovenzinho vai descobrindo sua paixão por fazer filmes na mesma medida que descobre os segredos de sua família quebrada. Dizem que é auto-ficção. Achei longo demais porém bonito e legal.
El Clan é baseado em fatos reais e conta a história de uma família argentina que sequestrava pessoas conhecidas e pedia o resgate. Não é um filme ruim, mas poderia ser melhor.
Sobre séries: voltei a ver Parks and Recreation (eu amo demais da conta). Terminei Barry que foi impecável do começo ao fim. Terminei Succession que também teve um final digno de succession. E comecei The Expanse depois de um mundo todinho já ter me indicado.
Obrigada por ler mais uma edição!
Gosto muito de interação por comentários e respostas diretas por email ou inbox nas redes.
Se você acompanha e gosta da Pãozinho de Capivara, considere apoiar coma gorjeta, por aqui ou me pague um cafézinho pelo kofi!
puta q pariu The Expanse é bom demais, bom demais da conta, bom "eu não aguento esperar a última temporada, vou ler todos os livros, caralho tem 5600 páginas, foda-se vou ler, caralho é INACREDITÁVEL DE BOM, li tudo e ainda quero mais"
eu também nunca tive esses clichê, acho tão dolorido isso. fico tentando me convencer de que não preciso, mas no fundo eu queria uns mimos sim. algumas edições que você escreve enfiam o dedinho na ferida sem piedade (risos). 💜