Acompanhar episódios e temporadas corridas de animações e desenhos quando criança, era um desafio já que não possuíamos TV a cabo. Na TV aberta sempre parecia faltar pedaços, buracos deixados de um episódio para o outro. Quando criança não nos importávamos sobre isso. O que o cérebro não sabe, a imaginação cria.
Quando pré-adolescente eu ainda não entendia muito bem o conceito de séries. Sabia que elas existiam e passavam alguns episódios em diferentes canais, mas não sabia que dava pra acompanhar. Que eram histórias de longo prazo e que nem todas tinham episódios independentes com conclusão antes dos créditos finais como a famosa CSI.
Foi minha amiga Renatinha (ti amu) que me apresentou esse mundo. Nos conhecemos pelo falecido FOTOLOG fan account de Hugh Jackman e passamos a trocar obsessões cinematográficas. Ela já era fã de friends, e.r. e eu era just a small town girl living in a lonely world sem série alguma. Nessa época eu colecionava DVD’s de filmes e vi uma promoção do box da primeira e segunda temporada de LOST e resolvi levar.
Lost é minha série favorita da vida. Naquela época, os episódios saíam todo domingo a noite. Esperávamos a segunda-feira, também a noite, para baixar no torrent o episódio com legenda. Frequentávamos fóruns para debater teorias e analisar frames do que poderia estar por vir na semana seguinte. Ficávamos meses sem assistir esperando a greve dos roteiristas acabar.
Muito antes dos streams, começaram os catálogos de site online para baixar outras séries do momento e algumas mais antigas, retiradas de DVD’S, o ápice da qualidade. A impressão que tenho, na verdade, é que não existiam “as séries do momento”. Pelo menos não pra nós. Lá fora, várias séries eram lançadas em dias/horários/canais diferentes, mas nós não tínhamos o acesso a não ser pela pirataria. Nisso cada um escolhia o que queria assistir e se quisesse comentar com alguém era só achar um fórum específico daquela rede de fãs. E pronto.
A chegada dos streams, facilitou nossa vida de ratos de série. Principalmente com opções mais antigas e difíceis de encontrar nos meios ilegais. Séries antigas, canceladas ou sem muita audiência lá fora. Mas com o avançar das produções, os sucessos imediatos e consumos rápidos isso também passou a fazer parte da FOMO.
Eu não sou fã de que hoje tem um nome pra coisas que poderiam já ser classificadas com outros nomes existentes. O “medo de estar perdendo” algo consumível é palpável. Lança uma série, com todos os episódios de uma vez. Ela faz sucesso. Logo todos falam sobre ela na internet. Você sai com seus amigos e a primeira pergunta que fazem é “você viu tal série? como não? nossa, vê logo pra gente comentar!”.
Acontece que com esse grande fluxo de produções, o grande número de streams e rotatividade de catálogo, é humanamente IMPOSSÍVEL acompanhar TUDO A TODO LUGAR AO MESMO TEMPO (saudades, melhor filme do ano passado, você já viu?).
Tirando o fato que muitas dessas séries nem são tão boas assim. Claro, que gosto é gosto, respeito. Mas muita gente assiste só pelo hype. Já que está todo mundo falando, tenho que ver, não importa se é uma temática desagradável etc. E é nítido que muitas delas são puro produto por encomenda. Feito às pressas pra estar na prateleira o quanto antes.
Não preciso aprofundar o quanto isso afeta nossa ansiedade, insegurança e autoestima (fomo my ass). E que, como se fôssemos adolescentes, buscamos o consumo desenfreado só pelo sentimento de pertencer.
Lá nos primórdios do MSN e pouco acesso a esses conteúdos, eu também tive essa ilusão de que conseguiria maratonar tudo e estar a par de todas as séries daquele ano. Ledo engano porque precisava estudar e ter vida. Naquela época, por mais carente que eu fosse, acho que preferia ver série alugada no box de dvd’s do que beijar na boca. O que eu também não negaria. Que bom que deu pra fazer os dois.
Não há tempo pra tudo. Nunca há horas suficientes no dia. Nunca há anos suficientes numa vida.
Também não dá pra deixar de fora o fator pandemia. Nosso lazer se resumiu muito ao consumo desenfreado de mídias. Era o que chegava mais perto de viver quando compartilhávamos online a opinião daquela nova obra.
E uma verdade, que o capitalismo entre outras coisas acabou criando, foi que ninguém se permite ficar entediado. Não pode. Meia hora olhando pro teto ouvindo só as vozes da sua cabeça? Se permitir inundar no máximo possível de silêncio? Olhar pela janela e só consumir a vida acontecendo em tempo real? Que absurdo, vai fazer algo!
Uma vez fui almoçar com o Angelo (acompanhem a newsletter dele), e estava compartilhando uma das muitas regras inúteis que tenho: se começo a assistir algo, mesmo que eu não esteja gostando, me obrigo a ver até o fim. Eu nunca largo algo no meio ou no começo. E esse querido me disse o óbvio que é: pra quê? Vai consumir o que você gosta. Para, troca. A vida é muito curta pra perder tempo com esse tipo de regra.
E assim eu tenho feito (obrigada querido). É libertador poder abrir mão de coisas. De não precisar assistir aquela série na semana que lançou. De desistir na primeira temporada e poder falar “ah não gostei, não vou continuar”. De ter coisas que “não vi e nem verei, pois não me interessa”.
Eu sou uma pessoa cheia de regras criadas dentro da minha cabeça pra que eu possa ser um ser humano funcional ter o mínimo de “sucesso” naquilo que eu preciso. Mas o que eu não preciso é aplicar isso àquilo que me faz bem. Posso consumir algo pelo bel prazer e curiosidade. Abrir mão da hype e assistir aquilo quatro anos depois porque foi quando deu vontade.
Existe uma infinidade de assuntos que podemos ter numa conversa ou situação social. Não estamos restritos ao consumo das produções da vez. Precisamos desapegar de viver pras telas. E de quando estamos realmente vivendo longe delas, só o que consumimos nelas viram conversa.
Ser padrão de consumir tudo em alta não nos faz interessantes.
Consumir o que quase ninguém consome pra ser diferentão, também não nos faz interessantes. Mas também não sou que vou ditar o que faz alguém interessante ou não, não sou ninguém na fila do pão.
O que acho interessante é quando podemos viver sem MAIS UMA amarra social. O mais livre possível em busca e escolha de interesse próprio e genuíno. Há quem vai acompanhar com você. Há quem não vai gostar e torcer o nariz. Mas o que você consome, é pra si ou para os outros?
Espresso da semana
Que a Margot Robbie é ótima, todo mundo já sabe, e ela mostra muito bem pro que veio em I, Tonya. Baseado na vida da patinadora profissional Tonya Harding que se relaciona com um homem merda que faz com que ela tome decisões mais merdas ainda e arruine sua carreira.
Finalmente dei uma chance pra Marie Antoinette e detestei. Mostrando a “realeza adolescente” com músicas modernas e cenários lindos, a gente entende onde a Sofia Coppola quis chegar. Nem por isso é bom. Eu pessoalmente não curto filme de época, são pouquíssimos que me agradam e esse definitivamente não foi um deles.
Falando em Renatinha, um dos ícones da nossa obsessão jovem era Jason Statham. Fazia tempo que não via o homem do peito peludo lutando de terno, camisa aberta e falando frases de efeito na frente de uma explosão com uma arma na mão. Assisti Safe, onde numa guerra de máfias, o gato é um ex policial na beira de desistir de tudo e acaba salvando uma menina e se envolvendo em altas confusões. Cumpre o que um filme de ação com Jason Statham pode prometer.
O All My Friends Are Dead tem uma pegada sátira, principalmente tirando sarro de jovem burro que pensa com o pinto. Com nenhuma atuação digna de oscar e acontecimentos nível bodies bodies bodies, é uma pedida divertida se for pra ver com amigos. Numa festa cheia de gente uma sucessão de eventos (mortes) começa acontecer de maneiras absurdas.
Estava muito curiosa e com muito medo de ver Evil Dead Rise, mas decidi enfrentar e ver num domingo a tarde. Achei que ia me cagar toda mas na real foi bem de boa e um filme bom. Tem personagem burro, tem moto-serra e boas caracterizações. Vamos ver o que será do universo. O anterior me deu mais medo.
Por falar em demônio, conferi Les Cinq Diables e fiquei impactada com essa obra prima. Uma criança (maravilhosa atriz inclusive) consegue fazer saltos temporais depois da chegada da tia, que teve um romance sáfico com sua mãe no passado. Lindo, lindo, lindo.
Pra terminar de boas vi o Puss in Boots: The Last Wish e achei muito bonitinho. A animação tá linda, a moral da história fofa. E finalmente entendi o hype dos furys com o personagem do Wagner Moura. 10/10
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