Como quase toda criança anos 90 com um pouco de privilégio, cresci com gibis Turma da Mônica e os livrinhos infantis baratinhos de dez páginas e ilustras coloridas com animais vestidos de gente.
Depois que aprendi a escrever e passei a ter aulas de redação, comecei a desbravar escrever. Gostava de poesia, mas era criança. Então na verdade recriava histórias que gostava muito, me incluindo como personagem ou substituindo algum protagonista. Os colegas entregavam redações de duas páginas e as minhas tinham dez. Sempre achei que os professores não liam tudo o que eu colocava ali, mas tudo bem. Minha primeira história, onde escrevi num caderninho e desenhei a capa e contracapa do meu “livro”, era sobre como eu desenvolvia superpoderes e o Homem-Aranha se tornava meu namorado.
Na fase pré-adolescente, troquei os infantis por livros juvenis e sim, comecei com aquela saga da transfóbica. Meu repertório passou a crescer um pouquinho. Passei a escrever num blog meio diário que meio que compartilhava minha vida pacata e amava editar o html com banners de desenhos, cursores fofos e por aí vai. Até chegar na adolescência onde eu lia outras coisas (amém, vamo desapegar?) e iniciei no mundo das fanfics.
Ah, as fanfics. Só quem viveu sabe. Pelo meu fotolog (sim, a 30+) de My Chemical Romance, eu conheci amigas do país inteiro e elas me revelaram esse mundo de possibilidades. Trocávamos nossas histórias ou até escrevíamos juntas pelo chat do MSN. Cada uma um parágrafo ou um capítulo. Com temáticas diferentes mas sempre com os membros da banda. Nós de personagens ou uma personagem específica que sempre repetíamos, chamada Emily. Foi com MCR que escrevi a minha maior fanfic da vida, com mais de 800 páginas. Uma pena eu ter perdido essa preciosidade com a morte do meu antigo computador.
Com a minha obsessão cinematográfica, as fanfics começaram a variar. Usava personagens de filmes, atores e personagens em revista em quadrinho. Num geral meu tema não variava muito. Eram altas aventuras onde eu morava num país que não era o meu e conhecia alguém pra chamar de amor da minha vida em circunstâncias aleatórias. (mas quando a fanfic era 100% dentro do universo do que tivesse escolhido, aí sim a gata podia falar sobre outras coisas, coitada)
Com a chegada da vida adulta, a escrita foi ficando de lado. Uma faculdade de humanas, de 5 anos mais duas pós-graduações e eu não escrevia nada além de relatórios, TCC’s e trabalhos universitários. A leitura ainda me acompanhou, não no ritmo que eu gostaria. Mas o lápis e o caderninho de textos ficou juntando poeira na casa da minha avó.
Outras coisas foram acontecendo e sempre pareceu que eu tinha muita coisa o que resolver, ou muita coisa pra tentar viver. E ao mesmo tempo muita coisa pra compartilhar. Conforme os anos foram passando, os estudos viraram trabalho, os sofrimentos foram se transformando e a escrita foi direcionada apenas para o diário. No começo da minha saída de Bauru, tive que parar a terapia e fiquei praticamente três anos sem. Eu despejava tudo no meu caderninho da crise existencial.
Uns dois anos atrás eu comecei essa newsletter lá no falecido getrevue, após fazer um curso de escrita criativa da rainha Aline Valek. Prometi pra mim que precisava retomar a escrita mas precisava treinar. Meus amigos sempre me incentivaram a fazer coisas para a internet mas eu não conseguia me ver como blogueira. Como youtuber. Passei a fazer vídeos para minha página profissional no instagram e do tiktok mas odiei cada segundo, e ainda odeio. Escrever é melhor pra mim.
Comprei mais cursos de escrever ficção, contos, criar personalidade de personagens e etc mas estou fazendo bem aos poucos. Esse ano, com o avanço da newsletter e percebendo que existem pessoas que realmente desprendem de uns minutos pra me ler, resolvi arriscar um pouco mais. Passei a me aventurar em escrever contos para antologias de editoras independentes. E quando meu primeiro texto foi selecionado eu mal pude acreditar que aquilo estava de fato se concretizando. Foi me dando forças. Têm me dado forças.
Eu escrevo pra não surtar. Todo dia, nem que for só um pouquinho. Caço incansavelmente editais abertos de temas que me agradam e sigo tentando. Tenho uma ideia a muito tempo sobre o que quero que meu primeiro livro seja, mas ainda não estou pronta. Um dia estarei.
Encontrei na escrita uma forma de me conectar com as pessoas. Eu não quero que todo mundo concorde comigo, eu quero que se identifiquem. Sintam-se acolhidos e que não estão sozinhos. Alguém tem que fazer. Alguém tem que falar sobre isso. Eu não tenho mais medo de mostrar minha vulnerabilidade. Eu sou assim. Eu passo por isso. Passei por aquilo. Aqueles que não gostam podem sempre clicar no xis de fechar.
Ao mesmo tempo existem momentos que sinto que não tenho sobre o que falar. Eu não sou ninguém na fila do pão, por que as pessoas vão me ler? Quem disse que minha opinião é relevante o suficiente pra ser levada em consideração pelas pessoas que se dão o trabalho de abrir os meus textos? Sei que isso é sabotagem, então eu enfrento e não paro. Essa semana eu não queria escrever nada. Estava totalmente sem ideias, mas eu já tinha começado esse texto na semana passada e resolvi não deixá-lo morrer na praia. Está sendo difícil viver dentro da minha cabeça nos últimos meses, se eu não tirar esse momento pra despejar tudo numa tela de computador, o que me sobra?
Aqui rola uma certa variedade de temas e é por isso que eu gosto muito quando alguém me dá uma sugestão. Me sinto estimulada, mas também não tenho uma opinião sobre tudo. Eu não sei, e nunca saberei, sobre todos os assuntos. Mas eu sou PHD na minha própria vida. E é por isso que eu trago tanto de mim em tudo que eu faço e nas coisas que eu escrevo aqui. É tudo que eu tenho.
Mesmo que em vários momentos eu imagine que não tenha sobre o que falar, ainda existem muitas coisas dentro de mim que não saíram. Eu ainda não escrevi sobre muita coisa.
Não escrevi sobre minha relação com meu cabelo e como cheguei ao ponto de raspá-lo.
Não escrevi sobre não saber amar.
Não escrevi sobre os fatos obscuros da minha família.
Não escrevi sobre encontros frustrados e pequenas violências que sofri mas não sabia classificá-las assim na época.
Não escrevi sobre como me descobri bissexual já velha.
Não escrevi sobre meu primeiro burnout.
Não escrevi sobre como Lost é incrível e porque é minha série favorita para toda eternidade e não estou aberta a mudar de opinião sobre.
Não escrevi sobre pessoas porque não tenho dinheiro pra pagar advogado.
Não escrevi sobre muita coisa. Não vivi também. Mas sigo escrevendo. Escrevo pra mim, pra você. Escrevo pra me entender e me colocar no mundo. Pra que a gente se conecte. Pra que você me deteste. Porque hoje, se não escrevo, não sou. E preciso ser.
PS: pra quem interessar, meus primeiros contos publicados já estão disponíveis para adquirir na versão física aqui e aqui.
Espresso da semana
Wong Kar-wai marcando presença de novo, numa história onde dois policiais se apaixonam por mulheres completamente diferentes. Eu sou fã de histórias de amor que não são clichê. Um gostinho agridoce que conforta em Chungking Express.
Vou repetir que Mahershala Ali merece todo protagonismo possível e sua atuação está mais que incrível em Swan Song. Numa vibe meio black-mirror, o protagonista tem uma doença terminal e ao invés de contar pra família prefere participar de um experimento com um clone perfeito seu, mas saudável para substituí-lo. Bão (poderia ser mais aprofundado nas questões filosóficas e sentimentais, mas vale o view).
Sou cadelinha de terror dirigido por mulheres mas The Scary of Sixty-First não me pegou. Duas minas que dividem um novo apê, descobrem que tem um negócio a mais e a ver com assassinatos e possessões. Achei alguns elementos meio problemáticos. Passável.
Stand By Me é um clássico sessão da tarde, adaptação do King que nunca tinha visto. Quatro crianças vão atrás de um corpo acidentado que se perdeu no meio do mato. É uma jornada quentinho no coração apesar das problematizações atuais.
Mesmo diretor do The Father, foi lá e meteu o The Son (tá faltando o the holy spirit agora) que também me deixou incomodada em como saúde mental é tratada. Um pai, com uma nova família, recebe o filho adolescente depressivo do casamento anterior. Ele e a ex começam a ficar preocupados e tentar ajudá-lo.
A boa surpresa da semana foi The Night Eats the World. Filme de zumbi tem um lugar mais do que especial no meu coração. E nesse um cara vai buscar suas coisas na casa da ex, tá rolando uma festa lá e ele só acorda no dia seguinte e o mundo acabou. Bão demais.
Assistir Enough Said doeu um pouco. Uma divorciada se apaixona por um divorciado e acaba atendendo sua ex-mulher que começa a intoxicar um pouco a visão que ela tem sobre ele. Eu gosto de uns romancinhos assim, como sempre chorei, mas chorei pelo James Gandolfini que tinha um potencial enorme e foi um dos seus últimos filmes. A Julia Louis-Dreyfus também nunca errou.
A Man Called Otto acompanha um vizinho chatão que começa quebrar sua casca com a chegada de uma nova família no condomínio. Toda vez que o cara tenta se matar vem alguém encher o saco. Achei bem marromeno e duvido que seja melhor que o original norueguês.
Encerro com The Outsiders, aquele filme lá atrás do Coppola que meio lançou o Tom Cruise quando ainda tinha dentes tortos. Duas crianças de uma gangue são agredidas por outra gangue, e a tensão entre as gangues rivais crescem e aí coisas acontecem. Tem um elenco maravilhoso e a história é bem legal.
Obrigada por ler mais uma edição!
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po, interessante isso sobre a lista do que "não escrevi". Fiquei pensando aqui na montanha de pautas perdidas like tears in the rain que eu tenho. Também pensei em como nunca escrevi coisas que não achasse que tivessem validade pros meus leitores. Talvez deveria escrever o que eu acho que tem validade _pra mim_ e parar de pensar neles? ENFIM.
por outro lado, onde vc arruma tempo pra assistir tanto filme? valha-me deus
Adorei como seu texto me fez pensar sobre as coisas que eu nunca escrevi. Às vezes a gente se sente sem assunto e esquece de simplesmente procurar, seja por dentro ou lá fora.
Só vou discordar do seu ponto sobre Lost pq era uma Alias-fan e fiquei p* da vida quando J.J. Abrams largou Alias pelo Lost (e acabei nunca assistindo), hahaha!
Espero poder continuar lendo coisas suas. Um beijo!