Meses atrás peguei God of War pra jogar, finalmente. E aparentemente tenho algumas considerações sobre as aventuras de Cleiton (Kratos) e o menino ateu (Atreus).
Pelas versões anteriores existia uma fórmula que me cansa muito que é violência + sexo + violência gratuita sem contexto porque foda-se, hétero demais. Um game de macho pra macho, certo? Mas nesse, disseram que tudo era diferente, críticas, prêmios, etc. Ficou de graça na plus, peguei e esse ano resolvi dar uma chance.
Cleiton já tinha sido pai antes desse jogo e cometido homicídio familiar nas edições anteriores. Matou filha, esposa, pai, mãe, irmão, a árvore genealógica todinha. Mas nesse ele volta como um novo pai de família que quer viver na paz, longe do seu passado.
Começamos o jogo já entendendo que pai e filho (o menino ateu) pouco se conhecem. Não tem um pingo de intimidade ali, mesmo que a criança já esteja com 11 anos. Dividir teto com alguém que você chama de família e não saber quem esse outro é, em sua essência, é mais comum do que se imagina. Pra isso não é preciso um segredo enorme, tipo esconder que se é um Deus Espartano.
Por ter matado todo mundo próximo de si, Cleiton negligencia o filho como uma forma falha de proteção. Afinal, quando temos traumas relacionados a outras pessoas, é uma resposta comum apresentarmos comportamentos evitativos, isolamento e não se deixar disponível para desenvolver intimidade. Deixando os cuidados todos pra mãe da criança, enquanto ia pro mato matar bicho pra não perder o controle dentro de casa. Sounds familiar? Ouvimos o tempo todo o menino ateu dizendo que seu pai sempre vai embora, não tem interesse de conhecê-lo, etc. Porém a situação agora é que: mamãe morreu, e juntos terão que sair numa jornada para espalhar as cinzas dela.
Agora Cleiton não tem mais saída de ser pai apenas quando lhe é conveniente (nunca até então). Ele se vê obrigado a estar o tempo todo com seu filho e o pior, encarar a vida lá fora e ensinar coisas. Só que Cleiton parece bem intencionado, mas a execução é uma merda. Com a justificativa de que quer ensinar menino Ateu a ser um homem melhor que ele, Cleiton não usa de afeto pra isso. Sabe aquele pai torrão que te bate e diz que é para o seu bem? Que o caminho da dor ensina melhor que o do amor? E é aí que eu começo a xingar todo mundo no jogo.
BOY. BOY. BOY. O distanciamento emocional é tanto que ele nem chama o filho pelo nome. Não elogia ou recompensa seus acertos nos treinamentos. Não tem uma palavra boa pra dizer pra criança. Na hora de dar bronca e comer o rabo do menino, é uma beleza. De resto é MELHORE. A justificativa de que assim a criança se tornará um adulto forte e irá lidar melhor com as adversidades é um mito. É principalmente machista, patriarcal e maléfico. Aposto que você conhece alguém que usa da frase “apanhei muito do meu pai e hoje tô bem”, mas se olhar de perto…
Ah mas o Cleiton foi criado assim… Calma que eu não to aqui pra falar de como as coisas “deveriam ser”. Nem passar pano pra ninguém. Não vou nem entrar na problemática de gente que defende est*pro em ficção porque “faz parte da época”. Argh, enfim
Ok, se Cleiton foi criado assim, sabemos que é a única forma de parentalidade que ele conhece. Logo a repetição geracional de erros pode ser palpável, mas o famoso, a que custo? Como um pré-adolescente deve ser, menino Ateu joga algumas verdades na cara do pai. Mostra sua insatisfação. Faz birra. Quebra regras. Quebrando aos poucos essa casca grossa, GROSSA HEIN, ao longo do jogo percebemos que sim, Cleitão se preocupa com o menino. Quando Ateu está correndo risco de vida, machucado, etc são os primeiros e únicos momentos por boa parte do jogo, em que ele chama o filho pelo nome. Chamar alguém pelo nome é o que? Conexão emocional minha gente.
Já que aos poucos essa conexão vai crescendo e a casca grossa vai quebrando, percebe-se que Cleiton também faz o mesmo movimento com ele mesmo. Ao longo do jogo ele vai encarando memórias de seu passado e situações que o traumatizaram, ou o marcaram de alguma maneira. Quando paramos de fugir da nossa realidade, e a aceitamos, encaramos e lidamos, tudo parece fluir. E é isso que permite Cleiton retomar as rédeas de sua identidade nesse novo período. “Oh filhão, eu sou assim, assado e é isso aí vamo junto”.
E obviamente, demonstrar vulnerabilidade também é uma forma de conexão. E é isso que faz o menino ateu começar a admirar seu pai, se aproximar e querer mostrar serviço. Afinal todo mundo tem sentimentos, certo? Ao sair dessa hierarquia “pai superior ao filho, só porque é pai”, é onde a intimidade de ambos é genuinamente construída.
Eu precisei jogar o jogo INTEIRO, pra só no FINAL, Cleiton chamar o menino ateu de filho. Com todas letras. Com delicadeza. Com afeto e mãozinha no ombro. Poxa, finalmente um quentinho no coração. É no final que ilustra bem a aceitação como parte de um ciclo. Cleiton aceita sua nova realidade e responsabilidade. Agora ele tem uma família nova, onde durante a jornada teve a chance de se redimir. Pode então sem toda a culpa, raiva, trauma e negligência, ser um bom pai pro seu filho.
Passei o jogo inteiro com raiva xingando Cleiton de tóxico. Sou filha de divórcio e saía na infância, uma vez por ano com meu pai mas não havia sequer um pingo de intimidade. Era péssimo. Mesmo crescendo sem pai, ouvia muito as críticas e comentários negativos de quem me criou. Pela falta de proximidade, afeto e conexão genuína, eu virei esse bicho que se isola e acha que é só sozinha que fico bem. E eu não queria que menino ateu crescesse traumatizado pela masculinidade tóxica e criação de merda do pai.
Cleiton representou muitos pais que por aí existem. Mas poucos se dão a chance de se aventurar numa jornada de redenção e aproximação com os filhos. Uma pena. “YOU GO KRATOS!”
Não vou negar que também xinguei menino ateu em seus momentos de rebeldia e petulância. Mas ele é pré-adolescente né, é um pré-requisito ser chato por um período.
Pra quem não sabe, eu gosto muito de jogar coisas mas jogo muito mal todas as coisas. Tudo é difícil pra mim e demoro horrores pra terminar. Mas achei que fluiu muito bem nesse. Tirando que a cada esquina tinha um mini-boss, gostei muito do jogo. Não vou falar dos outros pontos aqui porque esse texto não é um review, e não queria dar um milhão de spoilers detalhados pra quem não jogou.
Mal vejo a hora de ver a continuação desse daddy&son duo em God of War Ragnarok. Mas vou esperar sair de graça na plus, pois aprendi a nunca mais gastar mais de cem reais em joguinho.
Espresso da semana
Em Nocebo, temos Eva Green como uma fashion designer que contrata uma babá filipina mas não lembra disso. Ela acha que está sofrendo uma doença do carrapato e a babá fala que não é bem assim, e que vão chegar juntas numa resposta do que está realmente acontecendo. Moral da história: não financie trabalho escravo, óbvio.
Demorei mas cheguei no Halloween Ends e que decepção. Esse plot sem noção dando foco pra personagem nada a ver, me tirou do sério. Mas espero que Michael Meyers e sua franquia finalmente possam descansar em paz. Te amo Laurie.
Na busca por protagonismo e direção feminina, assistir Mona Lisa and the Blood Moon. Uma refugiada com poderes foge de um hospício e tenta existir em paz longe do lugar que a aprisionou. Altas vibes neon etc, divertido. Mas não muito mais que isso.
O filme do Super Mario Bros é pura nostalgia e diversão. Tenho nem muito o que falar. Só não gostou quem é cinéfilo pau no cu.
I Came By é um monte de promessa e pouca entrega. Uns anarquistinha que vão pixar casa de rico acabam se fudendo com um cara que esconde mais coisas do que dinheiro no colchão. Tinha potencial, achei chato.
O mundo precisa de mais filmes com Idris Elba sem camisa, despejando sabedoria e storytelling. E é isso que Three Thousand Years of Longing te entrega do começo ao fim. Muito bonito visualmente mas um dos menos favoritos pra mim, do George Miller.
Obrigada por ler mais uma edição!
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#13 bom de guerra
Essa foi a melhor resenhar de bom de guerra que eu já li. Vc escreve mto bem, casquei de rir aqui do início ao fim.
Mais do que uma jornada Pai & Filho é justamente essa jornada de redenção de Cleitão que nunca soube o que era uma vida normal, desde criança vivendo em guerra e quando adulto usado pelo Deus da Guerra depois de vender a alma.
Os dois personagens vão se desenvolvendo de maneira gradual e com maestria.
no mais...BOY!