Esses dias eu assisti o novo filme da Shudder chamado The Rule of Jenny Penn com dois titãs da atuação: Geoffrey Rush e o John Lithgow. Stefan era um juíz que teve um AVC e para ter os cuidados e recuperação acaba por ser instalado numa “casa de repouso”. Para além dos outros residentes, lá ele acaba tendo o desprazer de conhecer e ser perseguido por Dave, um cara que anda pra cima e pra baixo com um fantoche de uma boneca sem olhos.
O filme pode ser classificado como um HAGSPLOITATION, e subverte um pouco o subgênero do horror porque é protagonizado por homens. Mas isso é o de menos, porque fiquei pensando mas vou te contextualizar comigo antes. Uma das “representantes” desse subgênero é a Joan Crawford que em uma entrevista diz que Hollywood só tem três papéis principais pra uma mulher: a mãe, a ingênua e a górgona (vulgo monstruosa).
Em certo momento na história, atrizes mais velhas eram escaladas para representar “velhas loucas”, como se as duas palavras não pudessem andar dissociadas. Enquanto homens nos seus 50-60 anos ainda eram considerados galãs e conseguiam papéis de pares românticos com jovens na casa dos 20. E é assim até hoje né? Ora ora
O papel de Joan Crawford no filme “What ever Happened to Baby Jane?” fez tanto sucesso que surgiu daí o subgênero do hagsploitation. Partindo então mais pra filmes lado B, até uma grande parcela atual de obras que usam errado a representatividade de suas personagens mulheres. O tropo funcionava numa fórmula mais ou menos assim: uma mulher sozinha, numa casa grande que não tem mais nada na vida (marido, família, juventude e beleza) é tão isolada da sociedade e de qualquer outra coisa na vida, que acaba enlouquecendo. E em algum momento terá que contracenar com alguém jovem causando o terror mais pelo ponto que ela chegou do quê de fato a necessidade de matar alguém (o que também pode acontecer).
Claramente nós mulheres estamos cansadas de saber o quanto o machismo atrelado ao etarismo, imperam na nossa autoimagem, pregando a cada dia que passa que não podemos envelhecer. Ou somos avózinhas infantilizadas e fofas ou velhas loucas monstruosas. Há um medo coletivo do envelhecimento pois ele é totalmente descartado e desvalorizado. Envelhecer é chegar um dia de cada vez mais perto da morte. E as pessoas não sabem lidar com a morte. E não somente, o medo do envelhecimento também tem muito a ver com o medo de perder o controle. Não ser mais quem sou. Não estar em minhas plenas faculdades mentais. Não ter mais a perspectiva de identidade, do eu, do pertencimento. Além do medo do abandono, não ter mais utilidade, entre tantas outras coisas que vocês precisam lidar na terapia (inclusive dá pra fazer psicoterapia com essa psicóloga que vos fala, tenho horários disponíveis).
Socialmente falando a velhice não é uma prioridade. São poucas as políticas públicas, investimento, lazer, cultura etc. Ou você é cuidado pelos seus filhos, ou vai pro baile da terceira idade ou fica jogado numa casa de repouso. Fim. Só que não. Estudos mais recentes provam não só que a vida não acaba na velhice, mas que pra muitos pode ser uma época muito propícia para o recomeço.
Com esse culto à beleza, tudo é voltado para o prolongamento duma juventude irreal. A saúde avança também pela estética. Então estamos ficando cada vez mais velhos. E também cada vez mais sem filhos. Já existem comunidades e pequenas cidades onde a população mais velha já ultrapassa em número os jovens e crianças. E aí?
Trabalhei por anos em centros-dia e “asilos”. Acabei vendo de tudo e aos poucos transformando essa minha perspectiva da velhice. O medo das doenças neurodegenerativas é real pois não tem volta, não tem cura e não se trata. É tudo paliativo pra te dar uma qualidade de vida até você morrer. Mas o que as pessoas esquecem é que essa não é a regra e o destino que estamos todos fadados. Só estamos fadados a envelhecer mesmo, e isso não necessariamente precisa ser um horror. Apesar de que pra mulher existir já é um horror em si né, enfim.
Voltando, nesses lugares que trabalhei, muitos dos idosos não possuíam limitações físicas ou cognitivas. Eles estavam lá para terem atividades e não ficarem sozinhos. Mas eram lugares despreparados que não tinham as condições de prover um cronograma que de fato suprisse necessidades para além das básicas/fisiológicas. Anos antes trabalhei na “faculdade da terceira idade da USC” que é gratuita e as pessoas participam dos cursos que querem. Então voltamos pro grande problema de todos: o capitalismo. As idosas que viajavam pra Grécia uma vez por ano e iam bater perna todos os dias, assistiam peças de teatro na Broadway e faziam exatamente o que queriam na hora que quisessem, eram as com o poder aquisitivo que não atinge a maioria da população.
Não sei você mas eu não posso contar com estar velha pra aproveitar minha vida e viajar pra Grécia todo ano. Até porque eu sou profissional autônoma e isso está longe da minha realidade. Mas também não quero que quanto mais velha eu fique mais me associem com uma coitada, uma louca ou qualquer coisa do tipo. E ok, isso não depende só de mim. Como ficou claro, é um problema (como quase todos) também social. Ou seja… não, pera.
De volta ao Hagsploitation, apesar de ser problemático, é um subgênero que é uma porta aberta pra show de atuações. Assim como seu surgimento, eu adoraria que o horror começasse a utilizar mulheres mais maduras como final girls, entre outros tipos de protagonismo e chutação de bundas. O que gostei de The Rule of Jenny Penn, além das atuações de ouro, é como traz em detalhes todas essas questões que comentei aqui. Por exemplo: o protagonista é um juiz renomado, teve um AVC no próprio trabalho (achei simbólico) e acaba sendo tratado como todos os outros idosos do local. Ninguém acredita em seus relatos, seu diploma de nada vale e a revolta com o próprio corpo e as condições só gera uma angústia cada vez mais crescente que poderia inclusive empurrá-lo para a “loucura”.
Olhar ao nosso redor e ver que “um é pior que o outro” é aterrorizante, de fato. Se você é de qualquer minoria (ou mais de uma) pode se identificar quase independente de sua idade. De qualquer forma é por isso que eu preciso jogar um papinho pra vocês que, pro bem ou pro mal, é real demais… que é: tudo que está ao meu alcance por mim eu faço. Comer bem, fazer exercício físico, dormir e ter vida social (e sexual risos) que eu puder. Sei que às vezes isso não é o suficiente, mas o famoso: se eu não fizer ninguém vai fazer por mim. Eu quero ser a véinha que pelo menos tem dinheiro pra pagar a anuidade do SESC. Comprar presente pros filhos e netos das minhas amigas, pois serei apenas a tia descolada, tatuada que nunca casou e procriou. Quero conseguir amarrar meu tênis e ainda conseguir assistir em pé um show de punk.
Faço o máximo pra ser feliz hoje pra não me tornar a “velha louca” que inferniza a vida de todo mundo porque não está satisfeita com a sua. Tento nutrir minhas amizades pra quando a gente envelhecer, uma estar perto da outra e cuidarmos de nós, entre nós, para nós. Eu não quero ter medo da velhice. Quero vivê-la como mais uma fase da minha vida como todas as outras: com as suas dores&delícias que fazem inevitavelmente parte da experiência de estar vivo e ser humano. Que nós e tantas outras mulheres mais velhas possam ser seres completos sem o reducionismo à sua aparência e idade. As Final Girls da vida real, não têm data de validade. Só o machismo e o capitalismo e toda podridão do mundo que deveria ter, né? É por isso que manter a sanidade é tão difícil.
Na torcida pra que a chavinha pra virar uma protagonista de Hagsploitation emperre e nunca vire pra mim, pra você, pras nossas.
Alguns filmes de Hagsploitation pra vocês conferirem: Dead Ringer, The Substance, Revenge! (71), Misery, Strait Jacket, X, Greta, The Visit, Relic. (A cena da imagem anterior é de The Shining). Os nomes com links são das minhas críticas completas lá no
Twisters Caçadores de tempestade vão caçar tempestades! Ora ora! Mas uma bonita e um gostoso competindo entre si acabam bom… sendo gostosos juntos enquanto tentam impedir desastres climáticos. Um vendaval de gente bonita que diverte sem nada demais, mas que ficou bom! (terminei o filme querendo ser gostosa também)
The Monkey Gêmeos tentam se livrar de um brinquedo amaldiçoado que mata geral, mas 25 anos depois, a matança continua! Divertidíssimo! Adorei o jeitinho niilista e peculiar de lidar com a morte e usar o gore como ferramenta pra ilustrar os argumentos na narrativa. Gosto de como o Oz Perkins tá fazendo seu caminho como diretor. Adorei adorei adorei
Raw Revi este ícone do canibalismo meets coming of age pra gravar o próximo episódio de Rainhas do Grito! Vocês podem conferir minha opinião completa daqui quinze dias (talvez eu faça um texto exclusivo pra ele aqui na newsletter). Enfim UM ÍCONE ABSOLUTE CINEMA, Julia DuCournau conte comigo pra absolutamente tudo.
Better Man É better do que eu esperava RISOS A história do Robbie Williams é contada de uma maneira tão criativa que passa rápido. Super bem dirigido e bonito visualmente. Como sempre gosto de dizer: não é preciso reinventar a roda, basta ser criativo.
Freaks Uma trapezista padrão aceita se casar com um dos “freaks” do circo onde performam, mas só pra ter sua herança. Os amigos dele descobrem e…Revi esse clássico que é uma pena ser tão curto. Tudo nele é interessante. E apesar de ser classificado como horror, é extremamente sensível, quentinho no coração (destruição do mesmo) entre tantas outras emoções. Revolucionário pra sua época.
Needful Things Uma loja nova abre numa cidadezinha pacata e todo mundo que entra encontra algo que deseja do fundo da alma… e paga com ela depois. É claro que é uma adaptação de Stephen King risos Tem as fórmulas conhecidas, alguns absurdos, mas ainda é uma boa história e um bom filme pra passar o tempo.
The Rule of Jenny Pen Um juiz tem um AVC, e precisa fazer seu tratamento numa “casa de repouso”. Lá ele é aterrorizado por um idoso que anda o tempo todo com uma fantoche sem olhos chamada Jenny Pen e… coisas acontecem. Um espetáculo de atuações. Um bom roteiro. É um filme que me conquistou pelas várias questões que levanta em torno da velhice.
one of us one of us gibble gooble one of us