Bad Sisters é uma série que acompanha cinco irmãs irlandesas, onde uma delas é casada com o macho mais escroto que existe na face da Terra. As outras, cansadas de tanta merda respingando em todas elas, decidem unir forças pra encontrar uma maneira de matar esse filho da puta e salvar a irmã desse relacionamento abusivo.
Grace, a casada com o embuste, nos é apresentada como uma coitada. Sua identidade gira em torno de ser mãe e esposa. E mal consegue ser isso pois é sempre assediada moralmente, sofrendo abuso psicológico constante desse marido que a apaga cada vez mais. Em uma cena no primeiro episódio diz às irmãs que sabe que não gostam dele, mas que ele é um bom pai e esposo e a faz feliz, então pede para que elas a deixem ser feliz com sua escolha. Infelizmente todas nós conhecemos uma Grace, né?
Por anos essas irmãs foram testemunhas das violências cometidas contra ela. Inclusive contra elas mesmas. Mas sempre existiu uma linha invisível a não ser cruzada que é: quando a outra não quer ser ajudada. Nutrir o ranço pelo cara é inevitável, mas até que ponto participar de longe do sofrimento de quem a gente ama? O que a ficção permite (e imita alguns casos da vida real) é que elas tem a permissão poética de poderem “colocar a mão na massa” de fato e tentar incansáveis vezes acabar literalmente com a vida do cara. E nós, seres reais, fazemos como?
Diferente da série, eu nunca tive um grupo de irmãs literais pra me defender e jogar a verdade na cara. (Não reclamo porque a vida de filha única sempre me serviu muito bem) Mas, já que não tive irmãs, pelo menos tive (antigamente algumas poucas) amigas. Infelizmente tive a minha cota de relacionamentos abusivos e já estive desse lado da moeda. O namorado que todo mundo odiava mas que eu não conseguia largar por ouvir coisas do tipo “se você terminar comigo vou me matar”. E por muitas outras vezes também fui a amiga que só faltou chacoalhar outras mulheres pelos ombros e gritar pelo amor de deus larga agora desse pedaço de merda ambulante.
Nuances e contextos sócio/culturais/estruturais de lado, carregar o elefante da sala nas costas é um movimento pesado e solitário. Na série Grace não compartilha os detalhes sórdidos de sua vivência, mas todos são testemunhas. Seu marido, Jean Paul, a maltrata na frente da filha, da família, do vizinho, dos colegas de trabalho e qualquer um que estiver por perto. Todo mundo sabe, mas no fundo, ninguém sabe além de Grace. As próprias outras irmãs de início, guardam pra si como são afetadas e apenas compartilham a revolta sobre as injustiçadas sofrida por Grace, o grande algo, a grande coitada. Quando de fato elas decidem verbalizar detalhes mais sórdidos, concretizam a sororidade de: chega, vamos matar esse cara pois é a única solução possível. Pela falta de posicionamento e desabafo de Grace, as irmãs a vêem como submissa, fraca e a subestimam como uma pessoa que mal sabe avaliar a realidade. Se ele fosse preso, elas acham que ela ficaria esperando por ele ou confessar a culpa por algo que nunca fez. Etc.
Relacionamento abusivo não é um tópico novo e quem não viveu, conhece muita gente que já esteve nessa situação. E ainda assim, mesmo sendo uma vivência compartilhada por tantas nós, sempre nos sentimos sozinhas. Medo, vergonha, julgamento, entre tantas outras coisas passam pela nossa cabeça. E infelizmente a solidão vem, pois as pessoas desistem. Afinal se nos vemos sem saída e sem forças, até nós acabamos desistindo de si. Na série temos a cartada do laço familiar. Uma união obrigatória onde irmãs vão até o inferno umas pelas outras, mas na prática da vida real, sabemos que essa é uma exceção e não a regra da maioria dos nossos vínculos.
Se você chama uma amiga pra sair 50 vezes e ouve 48 não’s, é capaz de na 51 você parar com os convites. Se ela desabafa 50 vezes falando do relacionamento tóxico, com qual número você desiste de ouví-la? Em qual momento você começa e para de falar “larga desse traste”? Qual a vez que você simplesmente abre mão pra deixar ela lá no próprio mundinho e diz pra si mesme que quando a ficha dela cair, você estará lá pra catar os cacos?
Impossível assistir essa série sem lembrar das violências que vivi. Ou da solidão. Ou da vergonha de ter me sujeitado por x tempo estar naquelas relações. Recentemente ouvi de um amigo que deixava de me convidar pra coisas porque sabia que eu teria que arcar com os gastos meus e do “presente de deus” e bom, sabendo que não sou herdeira, não queria contribuir pro vazio maior do meu bolso. E isso doeu em mim, não pelo meu amigo. Mas pela associação. Como no passado onde via meus amigos fazendo rolês que eu queria estar mas ninguém me chamava porque o chato tinha que estar junto. Ser reduzida a um relacionamento é uma morte que nunca mais quero sentir. A minha sorte é que eu aprendi, mudei, tenho a oportunidade de fazer diferente. Mas e as amigas que levam mais tempo que eu? Ou as que nunca conseguem tomar as rédeas por si?
Nem eu e nem ninguém somos responsáveis por salvar o mundo ou por resolver os problemas dos outros pelos outros. Mas fiquei pensando que espaço ocupam essas mulheres nas nossas vidas? Nós que estamos de fora da situação? Será que na maioria das vezes conseguimos descer do cavalo do “eu jamais faria isso” pra dar suporte real pra essas pessoas? Pra convidar pela 51ª vez já que é tudo que temos a oferecer ou o que nos prende na pontinha de esperança com essa outra pessoa?
Obviamente tudo é muito mais complexo e não dá pra gente ir por bifurcações eternamente por um texto. Mas a série me vez pensar em outra coisa que é: caralho que diferença faz na vida ter amigas. Hoje minhas amigas são as irmãs que eu nunca tive. Melhor ainda, porque não são família (risos). Eu sou muito bichinha com amizade porque percebi que é o tipo de vínculo que priorizo, já que de fato é o que me salvou e continua me salvando todas as vezes. Minhas amigas podem não matar um macho escroto por mim, mas me ajudariam a pensar num plano de fuga, enterrar o corpo, advogar ao me favor etc. Hoje sinto que passaria o resto da minha vida agradecendo essas irmãs que a vida me deu de maneiras mais aleatórias possíveis. Eu não preciso sofrer sozinha se eu não quiser. Só de isso ser um fato, já me faz suspirar de alívio.
Então amigas: obrigada. Por me ouvirem reclamar da mesma coisa quinhentas vezes. Por não desistirem de mim. Não desistirem de me convidar. Nem de falar as verdades quando passei dois anos tomando coragem pra terminar um relacionamento. E por hoje estarem apoiando todo esse meu fogo no cu de “bora viver” e ter uma agenda ridícula que queria que coubesse todo mundo o tempo todo. Eu amo vocês.
E eu espero de coração que você tenha suas bad sisters por aí. Se não tem, não desiste porque antes tarde do que mais tarde. Quando a gente se perde, são essas mulheres, essas amigas, que iluminam o caminho de volta pra gente. Do jeito delas. As relações podem não durar pra sempre, mas que de pequena força aqui e ali, a gente sobrevive. Quero continuar seguindo uma vida me conectando cada vez mais com mulheres incríveis.
Existe algo diferente e exclusivo que torna o vínculo entre mulheres uma coisa difícil de explicar. Posso estar enganada mas quando encontramos as nossas, imagino que o sentimento é de que somos realmente irmãs. Sinto muito pelas versões passadas de nós, e por tantas outras mulheres, que ainda estão presas pelo imaginário da rivalidade em detrimento de homens patéticos ou qualquer outra coisa que o machismo faça pra nunca estarmos em união. Como diz o filme Rome “Não importa o que os homens digam, nós mulheres estamos sempre sozinhas”. Já que é nós por nós, que possamos encontrar força uma na outra.
Já a série… bacana demais. Um final bueníssimo, que vale o seu view. Logo começo a segunda temporada (que não sei se tem a necessidade de existir mas já que tá lá né…).
Aproveita e manda um eu te amo pra sua amiga hoje. Senão, bora estar aberta a fazer novas amizades?
Sing Sing O filme acompanha um grupo de homens encarcerados que encontram um escape e um propósito através de um grupo de teatro, usando a arte para conviverem e lidar com suas questões. Lindíssimo, Colman Domingo merece todas as premiações e escalações em filmes bons sempre.
The Girl with the Needle Tentando sobreviver o pós guerra na pobreza e com uma gravidez indesejada, uma jovem conhece uma mulher que a ajuda a trabalhar numa “agência de adoção clandestina” e coisas acontecem. Filmaço, uma construção incrível, lida com questões de maneira crua e tocante ao mesmo tempo. Babado fortíssimo!
Sirens É um documentário que acompanha uma banda libanesa de trash metal composta apenas por mulheres. Elas enfrentam as dificuldades de uma indústria dominada por homens e um país dominado pela teocracia, conservadorismo e opressões. É uma boa mescla entre os assuntos e sempre bom ver mulheres no front não é mesmo?
Vampyros Lesbos Uma vampira seduz e mata mulheres porque sim! Risos. Um thriller psicosexual que mexe com a imagem clássica do vampiro e mistura uma coisa meio onírica e poética e sei lá. Ótimo! Maravilhoso. Aproveitem o hype vampirístico e vejam esse!
Strange Way of Life Ethan Hawke e Pedro Pascal como um casal cowboy? YES PLEASE, porém faltou tesão, faltou nudez, faltou cena de sexo e tudo mais que a proposta prometeu e não cumpriu. Pedro Almodóvar eu te amo, eu entendi, mas poxa, confiou muito no hype e como filme mesmo… faltou tudo. Uma pena.
The Return Vinte anos depois um rei que foi pra guerra retorna irreconhecível e chega bem no caos entre seu filho adulto e sua esposa sendo obrigada escolher outro macho. É um bom filme, mas ao mesmo tempo nada demais. Ver o Ralph Fiennes com 63 anos e esse porte físico me deu vontade de fazer academia três vezes no dia.
Here Filmado em único ângulo é uma história que costura tantas outras de pessoas e situações que passam por um mesmo lugar. A ideia é boa, O Zemeckis é um bom diretor e um ótimo “storyteller”, mas simplesmente não me pegou. Achei a diversidade representada meio como uma cota e tudo muito difícil de ter empatia e se conectar. Meh
You’re Cordially Invited Dois casamentos são marcados num mesmo lugar ao mesmo tempo por engano. As famílias brigam, se misturam e precisam fazer a coisa toda funcionar. Apesar do Will Ferrell e a Reese Witherspoon serem ótimos, o filme é extremamente fraquinho e sem graça. Tem que acabar as comédias românticas xoxas e clichês.
Alice, Darling Três amigas viajam pra comemorar o aniversário de uma delas e meio que fazer uma intervenção, já que Alice sofre um relacionamento abusivo e diversos tipos de violência. E do nada o namorado, descobre onde ela está e aparece na cabana afastada. Bem sensível e que mostra a união entre mulheres é capaz de mudar a vida uma das outras sim. Amigas, assistam.
The Seed of the Sacred Fig Um homem que trabalha pro governo do Teerã, perde sua arma e desconfia da esposa e as duas filhas. As meninas cada dia mais questionadoras do governo e mãe completa submissa que fala amém pra tudo que o marido diz e faz. Até que coisas acontecem… Um ótimo filme que se perde um pouco no final mas que trabalha bem principalmente a dinâmica familiar e questões políticas.
Matthias & Maxime Dois amigos de infância são convidados pra fazer uma cena de beijo no filme de uma amiga, e isso muda pra sempre a dinâmica entre os dois. Chatinho demais, Xavier Dolan tenta manter a vibe cult de sempre e acaba dando um tiro no pé. Arrastado e esquecível.
Bad Sisters Irmãs se reunem pra planejar o assassinato do marido de uma delas, que é o maior escroto que existe. Uma ótima série sobre sororidade, relações abusivas e até investigação! Ótimo desenvolvimento de todas as personagens, e o final da primeira temporada maravilhoso.
"Existe algo diferente e exclusivo que torna o vínculo entre mulheres uma coisa difícil de explicar." SIM 😭🥹🫀 belíssimo, belíssimo de muitas formas!